A versão de Paula Oliveira quase todo mundo já sabe. Ela saía de uma estação de trem e falava, em português, no telefone com a mãe, quando foi cercada e violentada por neonazistas. Eles teriam sido os autores dos cortes que apareceram no corpo da advogada. O gesto absurdo de violência ainda causou o aborto das gêmeas que ela esperava.
Dias depois, as autoridades suíças deram outra versão: a de que Paula não estava grávida no momento das agressões e que, ela mesma, teria se autoflagelado. Tudo isto afirmado por peritos com base em fotografias e exames legistas.
Seja lá qual for a versão em que você acredita, uma diferença intercultural veio à tona com esta história toda: por que os brasileiros - ou seriam os latinos, como um todo - são tão precipitados?
A revolta que tomou conta da população e dos meios de comunicação parecia justificável: a moça contou uma história terrível, mostrou "provas" (os cortes) desta história terrível, e as autoridades suíças simplesmente agiram como se pouco se lixassem para o fato - e mais, elas foram capazes de pôr em dúvida a sinceridade da pobre moça! Ora, que absurdo! Cartas de leitores exigiam que o país estrangeiro se retratasse, que pedisse desculpas publicamente ao Brasil; que rompêssemos relações diplomáticas com a Suíça. Quem diria, logo a Suíça...
A imprensa brasileira atiçava a fúria tupiniquim ao ressaltar que os jornais suíços não deram muita trela ao assunto, reservando um pequeno espaço no rodapé. Que absurdo, meu Deus! Ninguém olha para o terceiro mundo! A comoção chegou até o Planalto Central. Lula fez declarações duras, afinal, ele é o homem, o comandante, tem que mostrar serviço!
Até que... na última sexta-feira, dia 13, com base em exames aprofundados feitos por instituições conceituadas como a Universidade de Zurique, chegou-se à conclusão de que Paula não estava grávida e que, provavelmente, ela teria se autoflagelado.
O que faz Lula e Celso Amorim, então? Abaixam o tom: "esperemos pelo fim das investigações". Não parece óbvio que esta seja a atitude mais sensata? Eles estão corretos. No entanto, por que não agimos assim antes? Por que preferimos a tempestade de declarações iradas e... precipitadas? Por que implicamos com a suposta negligência do europeu? E achamos logo que é pessoal, "porque somos terceiro mundo"... Não podemos confundir indiferença com cautela. Estamos habituados a dar a sentença antes da investigação, de colocarmos a emoção acima da razão - em alguns casos, vale; em outros, é extremamente equivocado fazê-lo.
Matéria do jornal suíço diz, apenas: "Brasileira é encontrada com cortes no corpo em estação de Dubendorf". Correto. Aqui, leitora d'O Globo exalta-se: "Para se cortar toda, só se ela fosse psicopata!". E se for exatamente isto? E se Paula Oliveira sofrer de algum tipo de distúrbio psicótico? Pode acontecer, não? A leitora, irada, parece achar a hipótese absurda. Vai ver ela acha que a psicose é coisa de cinema.
Em suma, se confirmada a versão dos suíços, nós brasileiros (leitores, imprensa e governo) teremos pago um belo mico. Que sirva de lição. Devemos aprender, de uma vez por todas, a questionar. São duas palavras: "Será mesmo?". Este é o comportamento correto. Não se trata de ser blasé, se trata de ser cauteloso. No mais, existe, sim, xenofobia na Europa e deve ser combatida, como qualquer outro tipo de discriminação.
4 comentários:
Para todos vermos que os problemas no brasil são muito mais culturais do que qualquer outra coisa. Sempre com complexo de ´oprimido´ ou ´explorado´, qualquer situação que possa insinuar uma injustiça feito por europeus atinge em cheio esse sentimento e acabamos vendo o que aconteceu. Até presidente entrou na onda. O povo tem de fato o presidente que merece.
Continue escrevendo, Carlton!
abr!
Pode deixar João! Valeu!
para uma pessoa ter a coragem de autoflagelar como essa mulher fez, algum distúrbio psiquiátrico tem que ter... e como eu já havia comentado com vc, pessoa que tem LUPUS, pode apresentar tal distúrbio... acredito que nós brasileiros levamos sempre para o lado emocional pq aqui no Brasil qdo acontece um crime, a maioria da vezes é verdade...
eu li tb que quem tem lupus tem dificuldade para engravidar... não sei se é verdade. O fato de ela ter perdido as filhas, por algum outro motivo, e tendo consciência de que não seria fácil engravidar novamente pode ter contribuído para o surto psicótico.
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