Quis o destino que Wilson Simonal e Michael Jackson virassem tema, no mesmo ano, de filmes-documentários. "Ninguém sabe o duro que dei" e "This is it", de longe, não têm nada em comum; mas, de perto, na minha opinião, servem de insumo para falarmos não apenas de música, mas de cultura e sociedade. Na verdade, só quero usá-los como gancho para fazer uma breve reflexão sobre uma qualidade ausente, de forma geral, entre os brasileiros, e que temos que adquiri-la de uma vez por todas se quisermos fazer bonito da próxima década em diante: o profissionalismo.
Antes que alguns se revoltem, digo logo: eu sou fã da voz e da música de Simonal. Mas talvez tenha faltado nele o que sobrou em Michael Jackson: a referida qualidade. Enquanto nós temos clara dificuldade de separar o pessoal do profissional, por razões inúmeras e históricas, os americanos, por sua vez, sabem como poucos fazer esta distinção.
Achamos graça quando contam que Simonal tinha total domínio da plateia, a ponto de sair do palco, ir ao salão anexo e pedir um drinque, enquanto a multidão sustentava a música, cantando sozinha e emocionada. Simona voltava dali a alguns minutos e retomava de onde o público estava. É legal, é engraçado, é genial. Concordo. Acontece que, meses depois, vejo Michael Jackson dizer a todo o seu staff de músicos e dançarinos algo do tipo: "Eu quero que o som saia exatamente como está no disco. Quero a música como no disco, como o público conhece" e depois, numa espécie de preleção com toda a equipe, à véspera de estrear sua turnê: "Estas pessoas querem ver um espetáculo inesquecível. Elas estão pagando para viver uma experiência única, que as afaste dos problemas de suas vidas. É isso que temos que fazer. Dar a elas uma experiência única".
E aí? Depois de assistir a MJ dedicar-se a cada verso como se preparasse para sua primeira apresentação na carreira, preocupar-se com cada som, passo, luz, efeito especial - tudo, absolutamente tudo, com um empenho de operário, não de estrela pop; depois de ter assistido a Michael Jackson trabalhando, aquela historinha do Wilson Simonal perdeu ligeiramente a graça.
Não vou entrar no mérito da intenção do diretor Kenny Ortega ou coisa que o valha. Não sei como era MJ em sua vida privada. Como profissional, ele era exemplo. As cenas de "This is it" me parecem sinceras. A escapadinha do palco de Simonal não tem nada de determinante na vida do cantor. Em si, trata-se de um episódio sem importância e simplesmente curioso. Mas o que ele pode revelar é o que de fato importa. Já disse neste blog o que penso sobre a história de Simona (reveja). No mais, é um retrato do brasileiro típico: talentoso e criativo - até mais do que o americano -, mas que não sabe usar corretamente sua capacidade para enriquecer, pelo simples fato de não saber servir e achar-se antes um superstar, quando deveria ver-se, neste caso, como músico ou cantor.
Estamos entrando em uma década fundamental para a transformação do Brasil. Eventos de grande porte como Copa do Mundo e Olimpíada mudam a cara do país. Mas de nada valerá as maquiagens urbanas - nada mesmo! - se não mudarmos a cabeça do povo.
2 comentários:
Olá Pedro Paulo, tudo bem?
Parabéns, muito bacana o seu blog. Sobre a postagem, permita-me algumas observações:
1º) Apenas a título de curiosidade, Simonal e Michael Jackson faleceram no mesmo dia e mês, com 9 anos de diferença.
2º) No outro post, você comentou que Simonal teve contratos publicitários cancelados por falta de seriedade. Corrija-me se estiver enganada, creio que tomou por base a entrevista de Raphael Viviani (ex-funcionário do cantor) para o documentário. Se for isso, saiba que NÃO É VERDADE, Viviani deu várias declarações que divergem dos autos e essa é uma delas (a propósito, corrigindo a sua informação, ele não era contador, era escriturário – chefe do escritório da Simonal Produções). Ele afirmou, por exemplo, que o contrato com a Shell foi rompido devido à irresponsabilidade de Simonal, quando na verdade foi cumprido e, inclusive, estendido. Eis o que diz Reinaldo Filardi, vice-presidente da Shell do Brasil:
"[...] em todos os compromissos ele nunca faltou, nunca foi relapso, nunca foi de bebedeira [...] sempre foi corretíssimo com a companhia e na sua prestação de serviços [...] tanto que, ainda no primeiro semestre, o contrato foi estendido até março de 1971."
Fonte: Biografia "Nem vem que não tem - A vida e o veneno de Wilson Simonal" (Ricardo Alexandre – Ed.Globo - página 155).
3º) Respeito a sua opinião, porém, reduzir a genialidade de Simonal à performance das apresentações televisivas é, no mínimo, desconhecer a sua trajetória artística. Que fique claro: não estou contestando a qualidade de Michael Jackson (não sou louca!, o cara era simplesmente um gênio!), mas, você há de convir que a sua análise ficou um tantinho sem nexo. Ou seja, se é pra falar do staff e fazer comparações, o correto seria citar e explorar ambos os lados. Por exemplo, você não acha relevantes as opiniões do Sabá, ou do Cesar Camargo Mariano, ou mesmo do Zuza Homem de Mello quando exaltam o profissionalismo e a competência de Simonal nos bastidores?
Não sei se estou me fazendo entender, portanto, gostaria de recomendar-lhe a leitura do livro do Ricardo Alexandre. Vale muito a pena, entre outras coisas, porque apresenta fatos importantíssimos sobre a carreira de Simonal e, principalmente, desvenda com muita seriedade os mitos em torno da figura deste grande artista.
Abração e boas festas!
Meire, obrigado pela dica. Sua contribuição enriquece o blog. Tudo que sei sobre Simonal está em "Ninguém sabe o duro que dei". Lá fala-se em cancelamento de contrato publicitário. Não posso contestar a informação por não ter outra referência, posso duvidar, ok - como posso duvidar da versão oposta.
É certo que a vida pessoal e profissional de WS e MJ é repleta de capítulos obscuros. O que fica depois de assistir aos documentários são IMPRESSÕES. E é sobre impressões (e não sobre certezas) que reflito. Não me lembro dos depoimentos que exaltam o profissionalismo de Simonal nos bastidores. O que você me traz de informação certamente atualiza minha percepção e - o que é melhor - fomenta o debate. Eu ainda acho que faltou inteligência emocional ao Simonal na condução de todo o imbróglio. A fama lhe subiu à cabeça (o q acontece com muitos, é verdade) e ele tinha uma certa marra (isto não é o Viviani que diz, é o Toni Tornado e outros). Marra que no fim serviu mais para prejudicá-lo do que para alavancá-lo.
Essa "presunção" não aparece em Michael Jackson, EM "THIS IS IT"! - vale repetir, estou comparando IMPRESSÕES PESSOAIS, tomando como base os dois documentários.
Bem-vinda ao blog. Bom Natal e ótimo Ano Novo.
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