terça-feira, 30 de junho de 2009

100 Anos Caminhando: Parte 2

O PERÍODO DE RESGATE DA MARCA Em 1939, a família Walker saiu do negócio. Ao longo do século 20, a marca passou por vários donos. Ao final da Segunda Guerra, o produto transformou-se em símbolo de status. Era a bebida preferida do estadista britânico Winston Churchill. As vendas saíram de 1 milhão de caixas, em 1945, para 5 milhões de caixas, em 1958. Na época, Johnnie Walker já era o uísque mais vendido do mundo. Mas, em 1997, uma inesperada perda de market share abalaria, temporariamente, a história de sucesso do Johnnie Walker. A vaca leiteira da Diageo, que respondia por 25% do lucro global da companhia, estava ameaçada por um mercado de bebidas alcoólicas cada dia mais competitivo. Na década de 90, o segmento de uísque perdeu espaço para outras bebidas, como vinho, champanhe, vodka e bebidas prontas, como a Smirnoff Ice. Os jovens viam o uísque como a bebida de seus pais. O uísque envelhecia. Literalmente. Se o ambiente externo era adverso, internamente também havia erros. Cada empresa fazia sua própria campanha de comunicação que, quando comparadas às propagandas de outras marcas de uísque, eram todas parecidas. O produto ainda era líder, mas a marca, um dos principais legados da família Walker, estava fragilizada.
Foi nesse cenário que nasceu a campanha global “Keep Walking”, uma tentativa de resgatar os valores fundamentais de diferenciação da marca Johnnie Walker. Deu certo. Se em 1999 foram vendidas 9 milhões de caixas de Johnnie Walker no mundo, em 2007 esse número vai ultrapassar 15 milhões de caixas - 180 milhões de garrafas. Um crescimento respeitável, para um produto cujas vendas estavam estagnadas. Curiosamente, foi dessa campanha de marketing que o “Striding Man” começou a caminhar para o lado esquerdo (na direção da escrita). Antes, ele andava para o lado direito (sentido contrário ao que escrevemos), o que, para os marqueteiros da Diageo, era um contra-senso à proposta de progresso e conquistas de “Keep Walking”.
Recentemente, a campanha Keep Walking virou até um estudo de caso de inovação de marketing na Escola de Administração do INSEAD, na França. Para Amitava Chattopadhyay, Ph.D. e Professor de Inovação e Criatividade no Marketing do INSEAD, a campanha “... foi um exemplo de mudança de estratégia de comunicação - de foco no produto para foco na marca. Foi, também, uma mudança de abordagem local para abordagem global centralizada. Essas duas inovações-chave permitiram à Johnnie Walker identificar novas oportunidades de variações de produto”. O professor explica: “Johnnie Walker é status, e status significa diferentes coisas em diferentes períodos da vida de um homem. Isso leva a diferentes tipos de Johnnie Walker, um para cada fase da vida”. Hoje, a empresa parece explorar muito bem esse prestígio em suas extensões premiuns. Uma garrafa de Blue Label, o uísque top de linha da marca, custa, em média, R$ 600,00.

sábado, 27 de junho de 2009

Jukebox: Especial Michael Jackson

Eu estava no colégio no momento em que soube do atentado às torres do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Como há oito anos, me via novamente em uma sala de aula nesta quinta, 25 de junho, quando me avisaram: Michael Jackson morreu.
Flavinha me mandou um torpedo. Nunca o nome foi tão apropriado à mensagem SMS que acabara de ler: era uma bomba. Inacreditável. Surreal. Minha primeira reação foi a não-reação, para depois passar a nota adiante, quase que automaticamente - chamei a atenção de um colega sentado ao lado e lhe mostrei o recado no celular, já prevendo que a notícia pronunciada seria insuficiente para fazê-lo acreditar. Ficamos os dois aterrados por alguns minutos, olhando para frente, ouvindo o professor falar e falar - Michael Jackson morto. Era preciso fazer correr. Minutos depois, Marcos passou a nota para mais um e assim ela se espalhou, pouco a pouco. Ninguém acreditava. Pensavam que estávamos de gozação. Por entre as palavras incessantes do professor, fazíamos mímicas na tentativa de dar o recado ao pessoal do outro lado da sala. Um choque. Um verdadeiro terremoto sacudiu os quatro cantos do mundo.
Engraçada esta sensação que sucede à tragédia. No dia seguinte, eu só queria ouvir as músicas de Michael Jackson. Nunca tive um CD do "rei do pop"*, tampouco baixava seus hits da internet. Ouvia-os nas rádios diariamente - e em alguns casos não sabia que aquela voz era a dele. Na manhã de sexta, 26, porém, liguei o rádio a caminho do trabalho só para ouvir Michael - e, pasmem, nenhum programador inteligente criou uma playlist especial, em homenagem ao astro. Ora, eu não era o único assaltado por aquela vontade incontrolável. Lojas de CD do mundo inteiro venderam álbuns de Michael Jackson como há muito não acontecia! Que loucura esse troço. Como explicá-lo? Neste momento estou ouvindo uma das 18 músicas que baixei do cara, prestes a fazer um CD e pô-lo para tocar por mais uma semana ou duas; até passar, encher o saco, voltar ao normal.
Acho que é tudo fruto de uma grande comoção. Suas músicas são boas. Algumas delas muito boas. Se não fossem, não haveria comoção que me fizesse buscá-las. Naquela manhã, a única que consegui ouvir foi "The Girl is Mine", uma das melhores. Nesta Jukebox especial, coloco para tocar "Heal the World", na inesquecível performance durante a final do Superbowl de 1993; e "ABC", de 1970, quando Michael ainda era um dos cinco Jacksons (ou melhor, era o Jackson, dos cinco).
Acho que Michael Jackson era um cara bom de coração e caráter. É um belo exemplo de como se construir um superstar, e de como condenar um ser humano pelo resto de sua vida. O Michael adulto e polêmico é fruto da infância e adolescência roubadas, da submissão ao autoritarismo do pai e às pressões de investidores preocupados tão-somente em enriquecer com seu sucesso e talento. Não critico o papel dos empresários do showbizz, eles são importantes, eles descobrem e promovem caras que nós passamos a adorar, pessoas cuja arte nos torna a vida mais agradável. Empresários muitas vezes são responsáveis por profissionalizar e ajuizar o espírito rebelde da maioria dos artistas, pois sabem que, entre um rompante e outro, sua mina de outro pode pôr tudo a perder. E convenhamos que é sempre melhor tê-los vivos e comportados (leia-se profissionais), do que indomáveis e mortos. Mas com Michael, parece que houve um excesso, principalmente quando ele era garoto.
Depois do que se contou sobre sua vida nos últimos dias, dá para compreender até certo ponto o por quê daquele parque de diversões em seu rancho solitário, ou da mania de cobrir o rosto dos filhos quando saía com eles na rua: protegê-los dos flashes e holofotes precoces? É razoável. Ok, ok, concordo que, neste momento de compaixão inflada, é normal que o tratem como "vítima de um sistema", e que acabamos comprando a história por este ângulo. Mas é claro para mim o dedo nocivo da indústria cultural sobre a construção da personalidade do astro - nocivo pois em excesso.
É uma pena que minha geração (dos nascidos em meados de 1980) tenha perdido o auge do cantor. Pegamos o início de sua decadência, já no processo de transformação da cor da pele. Lembramos dele negro e cheio de energia, mas lembramos mais claramente das polêmicas, do corpo esquelético por trás da máscara, do filho sacudido na janela, das acusações de pedofilia. Por ora, prefiro acreditar que Michael tivesse tido mesmo vitiligo e que nunca bolinou nenhum garotinho em Neverland.
Descanse em paz.
*P.S.: Lá em cima fiz questão de colocar "rei do pop" entre aspas pois para mim existe um outro cara que é igualmente um monstro da música! Sua figura é também excêntrica, tem uma coleção de óculos indiscretos, é gay, mas quando abre a boca e desce a mão sobre o piano, uau, faz todos arrepiar.

terça-feira, 23 de junho de 2009

100 Anos Caminhando: Parte 1

O uísque Johnnie Walker tem mais de 100 anos, é verdade. Porém, foi em 1909 que ele deixou de se chamar Walker's Old Highland e ganhou o atual nome. Foi neste ano também que surgiu o "striding man" (o homenzinho que caminha, um dos símbolos mais famosos do mundo). Estas e outras curiosidades sobre a história da marca você confere a partir deste post e em mais 2 doses.
O conteúdo é da revista Época Negócios, por Ricardo Cianciaruso. O ano de publicação (me parece) é 2007.
A marca de 1909, ainda sem o slogan "Keep Walking".
Com 180 milhões de garrafas vendidas por ano, Johnnie Walker é a marca de uísque escocês mais vendida do mundo. No ano passado, suas vendas mundiais cresceram 9,5%, enquanto a categoria uísque cresceu só 2%. Nada mal para uma marca que tem mais de um século de vida. E se as vendas mundiais vão muito bem, no Brasil elas vão ainda melhor. Neste ano, o Brasil tornou-se o maior mercado consumidor do Johnnie Walker Red Label, o rótulo mais barato da marca, no mundo. Entre as causas que explicam a liderança brasileira, duas merecem destaque. A primeira é que o Johnnie Walker Red Label caiu no gosto do brasileiro, sobretudo do nordestino. “É difícil de acreditar, mas vendemos mais o ‘rótulo vermelho’ no Nordeste do que no Sudeste”, afirma Eduardo Bendzius, diretor de marketing no Brasil da Diageo, fabricante da bebida. Em estados como Bahia e Ceará, é comum ver gente tomando uísque com água-de-coco, na praia. “O Red é um uísque mais suave e mais fácil de beber. Ele combina muito bem com o clima tropical”, diz Charles Maclean, jornalista escocês especializado em bebidas e autor de vários livros. A segunda causa é a queda da cotação do dólar, que barateou os importados. Hoje, 1 litro do Red Label sai por US$ 16 no Duty Free Shop - cerca de R$ 32. Mas a história de sucesso do Johnnie Walker no Brasil, e no mundo, é bem mais complexa. Do século 19 até os dias de hoje, o que você lerá a seguir é uma saga fascinante de inovação, intuição e empreendedorismo.
Um garrafão de 4,5 litros do rótulo preferido dos brasileiros - o Red Label.
AS SACADAS DA FAMÍLIA WALKER O ano era 1820. Ainda adolescente, John Walker ajudava a mãe numa pequena mercearia da família. Lá, vendiam chás. Na época, o Império Britânico plantava mudas de chá na Índia, e bebê-lo era quase um ritual patriótico para os habitantes do Reino Unido. “Se eu posso misturar diferentes tipos de chá, por que não posso fazer o mesmo com diferentes maltes de uísque?”, teria dito John aos amigos, num primeiro impulso de inovação. Deu certo. Em 1850, o Walker’s Old Highland, que mais tarde seria rebatizado como Johnnie Walker, já levava uma clientela fiel à mercearia da família. Sacada 1: Inovação no rótulo e na garrafa
Como a grafia Walker’s Old Highland era muito extensa, Alexander, filho de John Walker, resolveu colar o rótulo do produto na garrafa em posição diagonal. O rótulo dos concorrentes eram aplicados na horizontal. Depois, para economizar espaço nas caixas, Alexander resolveu vender seu uísque em garrafas quadradas. Seus concorrentes eram vendidos em garrafas redondas. “Hoje, o rótulo na diagonal e a garrafa quadrada são valiosos ativos da identidade da marca do Johnnie Walker”, diz Charles Allen, diretor mundial de brand da Diageo. Esse detalhe da garrafa quadrada traz uma enorme economia na produção das milhões de caixas de Johnnie Walker que são vendidas pela Diageo no mundo. Sacada 2: Uma curva à frente da globalização
Alexander Walker apostou, também, que o crescimento de seu negócio viria mais rápido se as vendas não ficassem limitadas à Escócia. Ele aproveitou, sabiamente, as rotas comerciais do império britânico - que, na época, era a grande potência do capitalismo industrial mundial - para apresentar o uísque escocês ao mundo. Uma consequência futura disso é que, ao final da Primeira Guerra Mundial, o Johnnie Walker já era vendido em mais de 120 países. Muito antes da Coca-Cola, o uísque da família Walker era um produto global.
O slogan de 1909: "Nascido em 1820, e ainda se fortalecendo".
Sacada 3: As cores
Numa também pioneira iniciativa de extensão de linha, os irmãos Walker criaram três variações de produto: o rótulo branco (White Label), com maltes de uísque envelhecidos a partir de 5 anos, o rótulo vermelho (Red Label), com maltes a partir de 9 anos, e o rótulo preto (Black Label), com maltes de, no mínimo, 12 anos. Achavam que diferenciar os blends pela cor do rótulo era um jeito simples de apresentar diferentes tipos de “blend” aos consumidores. O White Label durou só três anos. Era um uísque mais jovem, mais barato e de qualidade inferior aos outros Johnnie Walkers. Temendo que um produto de baixa qualidade fosse nocivo à marca, eles descontinuaram o rótulo branco. Sacada 4: O famoso “Striding Man”
Finalmente, em 1909 os irmãos resolveram mudar o nome do produto. O Walker’s Old Highland passaria a chamar-se Johnnie Walker. Era uma homenagem ao avô. Mudava o nome do produto, mas a preocupação em manter a tradição e a herança da marca estavam impressas no slogan: “Nascido em 1820, e ainda se fortalecendo” (“Born 1820, still going strong”). Nesse momento foi criado o mascote “Striding Man”, ou “O Homem que Caminha”. A tradução mais precisa do verbo “stride” é caminhar com vigor, a passos largos e com determinação. Essa era a essência da imagem que o Johnnie Walker tentava transmitir. O mascote foi desenhado por Towne Brown, um popular cartunista da época. Curiosamente, o briefing foi passado ao desenhista num almoço, e o mascote, desenhado nas costas de um cardápio do restaurante, no mesmo almoço. Pá Pum. Nascia assim um dos primeiros e mais famosos mascotes da história do marketing.
Continua.

sábado, 13 de junho de 2009

Jukebox: Pra Ver Se Cola

Esta juke é especial. Em homenagem ao Dia dos Namorados, decidi pôr pra tocar um sucesso delicioso, de uma época em que os casais vintões de hoje provavelmente ainda não se conheciam, mas já dançavam em salões de festa Brasil afora.
A música é "Pra ver se cola", do Trem da Alegria. O vídeo mostra Juninho Bill e Amanda no Xou da Xuxa de 1989! Eu, por exemplo, tinha 4 anos. Para os apaixonados que foram crianças nos finais de 80 e início dos 90, é de morrer de saudade.
Há uns dois anos, fui ao prédio da Ágora, em Botafogo, para ver se arrumava um estágio. O edifício fica na esquina da Praia de Botafogo com a Marquês de Olinda. Neste dia, lembro-me que aproveitei para descer a Marquês até a esquina com a Muniz Barreto, lá ficava o colégio São Pedro de Alcântara, onde estudei de 1991 a 1993, dos 6 aos 8 anos. Guardo boas recordações. Falo dele pois o som do Trem e do Balão me remete a este endereço, entre outros, de minha infância.
Naquela tarde vivi uma experiência diferente. Boa porém triste. Era a primeira vez que voltava à calçada do antigo colégio, em frente ao Clube Sírio-Libanês, onde tínhamos aulas de natação - lembro que um inspetor saía à rua com uma bandeira vermelha na qual se lia "Pare", fechando o trânsito na falta de um sinal, e então passava a fila de crianças, mãos nos ombros do colega da frente, todos de roupão e touca! - O lugar virou condomínio com dois blocos, ou três, não sei. Olhei os prédios, contornei a esquina e encarei os fatos: meu antigo colégio havia sido varrido do mapa. Eu sabia que ele tinha mudado de endereço, me deram a notícia de que o SPA fecharia as portas quando eu ainda era criança, mas aquilo não me tocou muito à época. Depois de anos, porém, era como se roubassem parte da minha história. Alguns lugares deveriam ser mantidos para sempre na mesma esquina - colégios, por exemplo. Principalmente quando eles lhe trazem boas lembranças.
Rua Marquês de Olinda em 1905
O Sírio-Libanês continua lá. Atravessei a rua - só depois que o velho inspetor desfraldou a bandeira, é claro - e cheguei à entrada do clube. Havia uma catraca que me impedia de avançar, mas dava para perceber que pouca coisa mudara lá dentro. Uma vez, um destes episódios clássicos de jardim de infância me aconteceu: quando a turma se preparava para deixar o clube e voltar ao colégio, a professora me chamou a atenção por estar perdido na fila das meninas - desligado desde criança. Nunca concordei com esse negócio de separar garotos e garotas em duas filas. O pior mesmo foi aturar a gozação dos amigos.
Bons tempos aqueles em que Juninho Bill, Amanda e o resto do Trem faziam a Alegria da criançada na esquina da Marquês de Olinda com a Muniz Barreto
Marcelo Camelo (Los Hermanos), que também deve ter ouvido muito este som, fez uma versão curta e "non-official" de "Pra ver se cola". Clique aqui para conferir.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Claquete: Ninguém Sabe o Duro Que Dei

Neste domingo assisti ao filme do Simonal e saí do cinema muito satisfeito. A expectativa era grande, sentia que estava indo conferir um bom documentário e já conhecia algumas músicas - duas: Nem Vem Que Não Tem (que me apareceu nos créditos finais de Cidade de Deus) e Balanço Zona Sul (que conheci durante a campanha dos supermercados Zona Sul há dois anos). O que não sabia era que tinha sido ele, Simona, a criar a versão "picotada" de País Tropical. Cansei de ouvi-la na voz de Ben Jor e atribuí logo a Jorge, até porque é bem a sua cara.
Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal fizeram um filme enxuto, emocionante e corretíssimo em sua construção. Tratava-se, afinal, de um trabalho de resgate: era preciso, antes de mais nada, contar a história de um cara cuja biografia é meio obscura até para quem viveu os 60 e 70. A montagem é muito bem sucedida pois marca claramente cada momento: o surgimento, a fama, o problema com o contador e o declínio. O trio conseguiu extrair trechos muito interessantes de entrevistados inspirados. Quando digo correto, me refiro não só à história muito bem contada, mas à iniciativa de dar voz ao outro lado, ao tal do contador, pivô de toda a infâmia. Os caras não se resumiram à narrativa saudosa, com músicas famosas e imagens de um passado feliz. Quando o contador é posto em cena, somos instigados a confrontar versões e isto nos inquieta.
Dá para se gastar horas falando a respeito da história contada na tela. Para começo de conversa, acredito no contador, o que não quer dizer que Simonal era um filho da puta. O que faltou a Simonal - e falta a um monte de brasileiros que poderiam ir mais longe com o talento que têm - foi profissionalismo. O que lhe sobrava era uma espécie de prepotência "defensiva": a banca, a marrentice, a arrogância, tudo isso me parece fruto de certo complexo de inferioridade: sou pobre, sou negro, filho de empregada doméstica, portanto se eu não me achar o máximo, ninguém vai achar. É exatamente esta a ideia que está presente na primeira cena do filme (veja o vídeo abaixo), quando ele diz "...Ou vai ser alguém na vida ou vai morrer crioulo mesmo". A banca pode tê-lo ajudado a criar o jeitão Simonal - irreverente, carismático -, que o fez estourar a boca do balão; mas também contribuiu para que ele extrapolasse os limites.
A falta de profissionalismo, por sua vez, fez com que ele não prosperasse financeiramente. Simonal ganhava e logo torrava. Teve contratos publicitários cancelados pela falta de seriedade. Com isso, a fonte foi secando. Se soubesse a hora de brincar - ou melhor, se fosse um marrento profissional, saberia usar isto para o seu bem, não iria à bancarrota, não precisaria demitir o tal do contador e a história seria outra.
Quanto à ideia de que ele era informante dos militares, fica claro para mim que é tudo uma grande besteira; mas é legal refletir sobre as causas que o jogaram na geladeira, principalmente a que se refere ao boicote da classe artística por ele não ser politizado o suficiente (o que queria significar não ser da esquerda o suficiente) ou por ele fazer a alegria das massas, "impedindo-as de ver" a repressão comendo solta. Enfim, grandes imbecilidades que a imprensa à época acabou comprando. Sobre isto eu destaco os depoimentos de Artur da Távola e do Boni, diretor global. O primeiro solta uma frase que vai ao encontro do que discuti aqui sobre o caso da brasileira que se auto-flagelou na Suíça. Ele diz, com outras palavras, que para a imprensa indício é fato, fato é julgamento e julgamento é condenação. Já Boni resume, direto: se Simonal fosse mesmo pró-ditadura, seria figurinha fácil na programação da Globo - o que não aconteceu.
Recomendo o filme. É um belo trabalho, melhor do que "Vinicius" e outros mais cotados. Não conhecia Carango, música cujo trecho dá nome ao documentário. Me amarrei. Já tá no iPod.
 
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